Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
24 de Abril de 2024

Processo licitatório para cogestão de unidade prisional é suspenso após Impugnação do SINSPEB

O Edital Licitatório visava contratação de empresa para operacionalização do Conjunto Penal Masculino e Feminino de Vitória da Conquista, bem como a criação da categoria de “Agente Disciplinador”. A única diferença entre o Agente Penitenciário e o Agente Disciplinador é o regime de trabalho adotado. No geral, exercem a mesma atividade.

A terceirização de unidades prisionais já representa uma grave afronta aos princípios constitucionais e administrativos do nosso ordenamento jurídico, mas a criação de uma categoria, que substitui os serviços prestados pelo Agente Penitenciário, é algo que beira o surreal.

A Empresa responsável pela operacionalização das unidades seria responsável pela gestão de 531 (quinhentas e trinta e uma) vagas masculinas e 219 (duzentos e dezenove) vagas femininas.

Além disso, constava no Edital de Licitação, às fls. 06, que:

“A contratação dos serviços previstos neste termo de referência não reduz nem exclui qualquer das competências do Poder Público relativas às atividades jurisdicionais e administrativo-judiciárias da execução penal previstas na Constituição Federal, na Lei nº 7.210/84 e suas alterações, de modo que a CONTRATADA deve subordinar-se às determinações e fiscalizações dos agentes públicos competentes responsáveis pela administração da Unidade Prisional. A atividade típica de Estado relativa à promoção das medidas de segurança, controle de disciplina e medidas judiciais cabíveis, incluindo o poder de polícia visando o cumprimento da pena e as medidas sócio-educativas de reintegração do preso à sociedade, permanecem sob exclusiva competência do Estado (atividades administrativo-judiciárias)."

O edital previa, ainda, que os cargos de Diretor, Diretor Adjunto, Coordenador de Segurança, Coordenadores de Vigilância, Coordenador da Coordenação de Registro e Controle e Coordenador de Saúde do Conjunto Penal seriam ocupados por servidores públicos do Estado da Bahia.

Caberia à Empresa responsável pela gestão da unidade, segundo item 1.4.1.4.1, a contratação de empregados especializados e habilitados para exercerem a segurança prisional interna, inclusive quanto à manutenção da guarda e vigilância para a custódia e segurança de internos. O item supramencionado determinava a contratação do Agente de Disciplina, bem como a sua atuação dentro da unidade prisional.

Segundo item 1.4.4.7, compete ao Agente de Disciplina:

“1.4.1.4.7 Compete à Área de Segurança e Disciplina, por meio dos seus agentes:

a) guardar e realizar a vigilância interna do estabelecimento penitenciário, mantendo a ordem, segurança e disciplina;

b) adotar, com presteza, todas as medidas de segurança e correções necessárias, registrando-as no boletim diário de ocorrência;

c) realizar a vigilância e manutenção da ordem durante a prestação de serviços, exercícios, aulas e jogos esportivos;

d) manter vigilância sobre a movimentação de internos por ocasião de transferências internas ou externas, acompanhando-os e encaminhando-os às Seções envolvidas nos procedimentos, sempre com a anuência do Coordenador de Segurança e, quando externas, com o registro do pedido da Direção;

e) manter vigilância constante aos internos para evitar a posse de qualquer produto que altere o seu comportamento ou que cause dependência física ou psíquica;

f) realizar a vigilância e manutenção da ordem nos procedimentos de visitação autorizados, mantendo a segurança dos visitantes;

g) adotar medidas que visem à segurança e guarda dos internos nas dependências do estabelecimento, inclusive quando encaminhados às áreas de serviços assistenciais ou ocupacionais;

h) realizar vigilância permanente para evitar a entrada de instrumentos perfuro-cortantes, objetos e cartas destinados a jogos de azar, além de armas de fogo, aparelhos celulares, carregadores, e chips de celular;

i) conduzir e acompanhar, em custódia, os internos, em casos emergenciais, como atendimento em hospitais, deslocamentos para fora do Conjunto Penal, inclusive fora do Município de Vitória da Conquista, auxiliando permanentemente a escolta da Polícia Militar, para melhor segurança do deslocamento. ”

Além de todas as obrigações, a empresa contratada teria acesso e alimentaria os sistemas de banco de dados atinentes a segurança pública:

“1.4.1.5.2 O sistema de cadastro de internos, identificação de prontuário e movimentação será disponibilizado pela SEAP, através do Sistema de Recluso, INFOPEN, SisDepen, Sistema de Informação de Gestão de Administração Penitenciária - GEAP ou sistema similar, devendo ser alimentado em tempo real pela CONTRATADA, que deverá mantê-lo atualizado em todas as suas seções, devidamente fiscalizadas pelo CENTIC/SEAP.”

Outrossim, o instrumento licitatório determinava que a Empresa responsável pela cogestão, através de Agentes Disciplinadores contratados sob o regime celetista, deveria conter as seguintes situações:

“4.2.29.1 As diretivas mencionadas no item 4.2.29 envolverá as seguintes situações:

Situação 01 – Greve de fome de internos;

Situação 02 – Rebelião de internos com refém;

Situação 03 – Rebelião de internos sem refém;

Situação 04 – Encontro de cadáver (suicídio, homicídio, morte natural);

Situação 05 – Tentativa de fuga;

Situação 06 – Fuga;

Situação 07 – Briga entre internos. ”

Ressalte-se, ainda, o quantitativo de Agentes Disciplinadores a serem contratado sem concurso:

“Agent. De Disciplina Masc. 12x36diurno 70

Agent. De Disciplina Masc. 12x36noturno 32

Agent. De Disciplina Fem. 12x36diurno 46

Agent. De Disciplina Fem 12x36noturno 22”

Além disso, existe concurso público vigente para provimento do cargo de Agente Penitenciário e que possui mais de mil candidatos excedentes aguardando convocação, de modo que, totalmente desnecessária a contratação de Agentes de Disciplina para o exercício da mesma função de um Agente Penitenciário.

Dessa forma, o SINSPEB apresentou impugnação ao edital de licitação.

De acordo com a Lei nº 9.433/05, qualquer cidadão é parte legítima para impugnar, perante a autoridade máxima do órgão ou entidade licitante, o instrumento convocatório por irregularidade na sua aplicação.

Segundo o próprio edital licitatório:

“12.1.1 A impugnação, feita em linguagem clara e utilizando-se, preferencialmente, do formulário constante do Anexo VIII, deverá ser protocolada até 05 (cinco) dias úteis antes da data fixada para a abertura dos envelopes das propostas, cabendo à Administração julgar a impugnação em até 03 (três) dias úteis, sem prejuízo da faculdade de representação ao Tribunal de Contas. ”

A Lei nº 9.433/05, que dispõe sobre as licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes do Estado da Bahia, em seu art. 122, prevê a anulação da licitação por ilegalidade, vejamos:

“Art. 122 - A autoridade superior competente somente poderá revogar a licitação por motivo de interesse público decorrente de fato superveniente, devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado. ”

Na peça de impugnação o SINSPEB demonstrou de forma minuciosa as ilegalidades na contratação de empresa para gestão prisional.

A Lei 9.433/05 não prevê licitações para gestão em unidades prisionais, a possibilidade reside somente na prestação de serviços como fornecimento de alimentação, vejamos:

“Art. 22 - A prestação de serviços de fornecimento de alimentação preparada para cadeias, presídios, hospitais, escolas e similares, fica sujeita a normas regulamentares especiais expedidas pelos órgãos competentes, observadas as peculiaridades locais e os seguintes requisitos:

I - Preço por unidade de refeição;

II - Determinação da periodicidade do fornecimento;

III - cardápio padronizado, sempre que possível, e alimentação balanceada de acordo com os gêneros usuais na localidade;

IV - Adoção de refeições industrializadas, onde houver condições para sua manipulação, desde que adequadas a seus fins e vantajosas para a Administração;

V - Periódica fiscalização, pelas autoridades sanitárias competentes, sobre a qualidade e condições de higiene dos alimentos fornecidos. ”

O instrumento licitatório mencionava que a atividade típica de Estado relativa à promoção das medidas de segurança, controle de disciplina e medidas judiciais cabíveis, incluindo o poder de polícia visando o cumprimento da pena e as medidas socioeducativas de reintegração do preso à sociedade, permaneceriam sob exclusiva competência do Estado.

Ora, qual a viabilidade dessa cláusula editalícia se a própria Contratada seria a responsável pela contratação de Agentes de disciplina? Caberia a Contratada, também, o combate a fugas, rebeliões, greve de fome etc. Sendo assim, o poder de polícia seria exercido pela própria Contratada e não pelo Estado. Trata-se de cláusula contraditória e ilegal.

Como seria possível a transferência do poder de punir do Estado para uma empresa terceirizada? Como se sabe, o exercício do jus puniendi cabe ao Estado, sendo inadmissível tamanho retrocesso. Esse é o entendimento da Ilustríssima Promotora de Justiça Rita Tourinho:

“Sabe-se que o regime de vingança privada como forma de composição de conflito na seara penal, evolui à instituição do monopólio do exercício do poder de punir atribuído somente ao Estado, compete ao Estado executar e exercitar o jus puniendi. Assim, no exercício do jus puniendi, cabe-lhe a realização do Direito Penal Material, concretizado na sentença condenatória. Já na execução da pena, o Estado-Administração atua através de seus órgãos, embora sob controle jurisdicional.

Nesse diapasão a responsabilidade pela assistência e integridade física e moral de um condenado em regime de cumprimento de pena cabe ao Estado. Em virtude do que determina o Art. , XLIX, da Constituição Federal, combinados com os arts. 40 e 41, o que vier a acontecer com o condenado em cumprimento de pena, poderá ser imputado ao Estado na forma do art. 37, § 6, da Carta Constitucional. ” (A atuação do Ministério Público no combate à terceirização do sistema carcerário do Brasil – Rita Tourinho)

Como relatado anteriormente, caberia a Contratada a alimentação de inúmeros sistemas de segurança administrados pelos órgãos de segurança pública do próprio Estado, como o Infopen. Assim, a Contratada possuiria acesso amplo e irrestrito a toda e qualquer informação de segurança pública, podendo modifica-la e amplia-la. Indagamos mais uma vez, essa função não caberia ao Estado?

Não se pode tentar solucionar a falência do sistema penitenciário nacional através da contratação de empresa para gerir juntamente com o Estado uma unidade prisional. Tal postura representa uma forma desesperada de corrigir um problema que tem como cerne a própria inércia estatal no que tange ao aparelhamento e à aplicação da Lei de Execucoes Penais.

De igual maneira, não é possível a terceirização da função de Agente Penitenciário, pois trata-se de atividade fim relacionada a segurança pública, tanto é que já existe permissividade legal para o porte de arma de fogo por parte desses servidores.

Os Agentes de Disciplina, criados através do próprio instrumento licitatório, ficariam sem o devido amparo estatal, sendo todos eles geridos e contratados pela Empresa vencedora. Não caberia ao Estado a seleção desses funcionários.

Não se trata aqui de uma atividade na área da educação, por exemplo, mas sim de função relacionada a Segurança Pública! Inconcebível a substituição do poder de polícia do Agente Penitenciário por Agentes Disciplinadores contratadores sob o regime Celetista.

Todos os Agentes Disciplinadores, contratados sob regime celetista, teriam acesso a informações de extrema relevância no tocante à Inteligência Prisional, órgão pertencente ao organograma da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização do Estado da Bahia.

Ressalte-se que existe um link de informações “sensíveis” entre os diversos órgãos de Segurança Pública, sejam eles estaduais ou federais, de modo que, o setor de Inteligência Prisional da SEAP compartilha informações com o Departamento de Inteligência da Polícia Civil, Federal, Militar e, em algumas situações excepcionais, com a própria ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), órgão central de inteligência do país.

Indagamos, como seria feito o compartilhamento dessas informações de extrema relevância através de funcionários contratados sob o regime Celetista e sem nenhuma estabilidade? Em caso de demissão de um funcionário, como seria garantido o sigilo das informações obtidas através de sistema como o Infopen, Infoseg etc.?

Segundo o edital licitatório, caberia aos Agentes de Disciplina:

“1.4.1.4.7 Compete à Área de Segurança e Disciplina, por meio dos seus agentes:

a) guardar e realizar a vigilância interna do estabelecimento penitenciário, mantendo a ordem, segurança e disciplina;

b) adotar, com presteza, todas as medidas de segurança e correções necessárias, registrando-as no boletim diário de ocorrência;

c) realizar a vigilância e manutenção da ordem durante a prestação de serviços, exercícios, aulas e jogos esportivos;

d) manter vigilância sobre a movimentação de internos por ocasião de transferências internas ou externas, acompanhando-os e encaminhando-os às Seções envolvidas nos procedimentos, sempre com a anuência do Coordenador de Segurança e, quando externas, com o registro do pedido da Direção;

e) manter vigilância constante aos internos para evitar a posse de qualquer produto que altere o seu comportamento ou que cause dependência física ou psíquica;

f) realizar a vigilância e manutenção da ordem nos procedimentos de visitação autorizados, mantendo a segurança dos visitantes;

g) adotar medidas que visem à segurança e guarda dos internos nas dependências do estabelecimento, inclusive quando encaminhados às áreas de serviços assistenciais ou ocupacionais;

h) realizar vigilância permanente para evitar a entrada de instrumentos perfuro-cortantes, objetos e cartas destinados a jogos de azar, além de armas de fogo, aparelhos celulares, carregadores, e chips de celular;

i) conduzir e acompanhar, em custódia, os internos, em casos emergenciais, como atendimento em hospitais, deslocamentos para fora do Conjunto Penal, inclusive fora do Município de Vitória da Conquista, auxiliando permanentemente a escolta da Polícia Militar, para melhor segurança do deslocamento. ”

Faremos, então, um comparativo com as atribuições do Agente Penitenciário, segundo a Lei 7.209, que institui o Grupo Ocupacional de serviços penitenciários, vejamos:

“I - Zelar pela disciplina e segurança dos presos, evitando fugas e conflitos;

II - Fiscalizar o comportamento da população carcerária, observando os regulamentos e normas em vigor;

III - providenciar a necessária assistência aos presos, em casos de emergências;

IV - Fiscalizar a entrada e saída de pessoas e veículos nas Unidades Prisionais;

V - Verificar as condições de segurança da Unidade em que trabalha;

VI - Elaborar relatório das condições da Unidade;

VII - fazer triagem de presos de acordo com a Lei de Execução Penal; VIII - conduzir e acompanhar, em custódia, os presos entre as Unidades Prisionais integradas do Complexo Penitenciário do Estado da Bahia, e, em casos emergenciais, nos deslocamentos para fora do referido Complexo Penitenciário, com o auxílio da Polícia Militar, para melhor segurança do trabalho;

IX - Realizar trabalhos em grupo e individualmente com o objetivo de instruir os presidiários, neles incutindo hábitos de higiene e boas maneiras;

X - Encaminhar solicitações de assistência médica, jurídica, social e material ao preso;

XI - coordenar as atividades laborativas dos internos dentro da Unidade;

XII - Executar outras atividades correlatas."

Não é difícil concluir que se tratam das mesmas atividades, mas executadas por funcionários contratados por empresa terceirizada incompetente para tanto, sobretudo porque não há utilização do instituto do concurso público para admissão dessas pessoas.

O Concurso Público deve ser regra para exercício de atividade fim, sobretudo quando se trata de cargo relacionado à Segurança Pública do Estado.

Ora, existem mais de mil candidatos aprovados em cadastro reserva no concurso para Agente Penitenciário de carreira, qual a necessidade de se contratar funcionários sob regime celetista?

Houve concurso público e a Administração Pública gastou centenas de milhares de reais para a sua execução, sendo contratados apenas 490 candidatos. Onde está o princípio da economicidade? Divulga-se edital de abertura para provimento de vagas no cargo de Agente Penitenciário e, ao mesmo tempo, cria-se uma permissividade editalícia num instrumento licitatório para uma empresa terceirizada contratar funcionários que exercerão atividades idênticas.

Dessa forma, entendemos completamente ilegal a contratação de Agentes disciplinadores, que sequer passaram por concurso público, em lugar dos Agentes Penitenciários aprovados em cadastro reserva.

Assim, o Departamento Jurídico do SINSPEB requereu, através de impugnação ao edital, a anulação de todo o instrumento de licitação. A Procuradoria do Estado da Bahia, diante de todas as ilegalidades apontadas, foi a responsável pelo parecer que resultou na suspensão da certame.

  • Sobre o autorTJBA, Sustentação Oral, Concursos Públicos, Direito Penal, Júri
  • Publicações44
  • Seguidores148
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações1371
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/processo-licitatorio-para-cogestao-de-unidade-prisional-e-suspenso-apos-impugnacao-do-sinspeb/232824909

Informações relacionadas

Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudênciahá 6 anos

Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA: RMS XXXXX BA XXXX/XXXXX-0

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)